domingo, setembro 20, 2009

Sinestesia sonambólica

Perdida entre a chuva de luz meio-prata que caía no quarto de parede rubra, a menina pouco-vendo mais espiava a rua amarela. Fechava os olhos pensando assim esquecer do que tentava visceralmente lembrar e doía. Fechava os olhos para não ver as gotas meio-prata que chegavam até seu corpo azulado. Não via, mas sentia tudo: parede rubra, rua amarela, corpo azulado e chuva meio-prata. Ouvia, também, vozes ausentes, pássaros pretos-chatos-noturnos que anunciam o fim dos tempos e a chuva meio-prata e as gotas meio-prata batendo em seu corpo azulado, mas não na rua amarela, pois só chove entre a parede rubra e o armaredo branco. Perdida assim, a menina não sabe o que quer e parece nem querer saber: fechar os olhos e só sentir e ouvir? Abrir os olhos e ver e ouvir? Gritar alto e só ver e sentir? Ouvir, sentir e ver? Não sabe, não quer saber: certezas roxas, assim, doem muito. Sabe bem. Abre a gaveta tímida e rouba de si mesma um cigarro verde. Ascende com o isqueiro rosa o roubado cigarro verde e inala a fumaça doce. Espiando a rua amarela docemente pensa coisas de várias cores e sente gostos diferentes. Pensa que ausência é tempo comum, que voz, assim, ausente é voz comum em tempo comum, mas avesso. Avesso ao desejo daquele que sente a ausência. Pensa que os nomes das cores carregam pigmentos e que fazem muito sentido serem como são. Pensa que gritar para não ouvir é idéia estúpida demais, pois a voz que está fora a girar entre a parede rubra e o armaredo branco e a escapar para a rua amarela também está dentro, cravada em sua cabecinha azulada. Pensa que a chuva meio-prata já deve estar para parar, pois a nuvem muito-prata já se despede. Pensa que se fechar os olhos e ficar só sentindo e ouvindo o tempo comum vai passar mais rápido... quem sabe ela consiga esquecer...

Um comentário:

João Ortácio disse...

Esses pássaros me põe nervoso!
Mas todas as tuas cores,
Teu carinho,
Me deixam calmo,
Me deixam tela
Pra tu pintar.