domingo, setembro 20, 2009

Chega de rosas

Em uma sexta-feira do mês de abril, Paulo chegou em casa com rosas vermelhas e Flávia o esperava com sua pouca roupa e com seu pouco jeito, mas com o jantar pronto e posto no capricho.
- Chega de rosas, meu amor...
- Mas as rosas são a vida!
- Então, chega de rosas meu amor...
No exato instante em que diz isso, como em um filme barato qualquer, eles entrelaçam as mãos e, entre um arregalar de olhos masculino, um suspiro feminino e uma falta de ar conjunta, os dois corpos caem no chão em um barulho belo e único. Morriam com a sintonia que nunca desfrutaram em vida. Morriam juntos, em um mesmo tombo em mesmo som. Morriam de mãos dadas. Morriam amando. Chega de rosas.

Sinestesia sonambólica

Perdida entre a chuva de luz meio-prata que caía no quarto de parede rubra, a menina pouco-vendo mais espiava a rua amarela. Fechava os olhos pensando assim esquecer do que tentava visceralmente lembrar e doía. Fechava os olhos para não ver as gotas meio-prata que chegavam até seu corpo azulado. Não via, mas sentia tudo: parede rubra, rua amarela, corpo azulado e chuva meio-prata. Ouvia, também, vozes ausentes, pássaros pretos-chatos-noturnos que anunciam o fim dos tempos e a chuva meio-prata e as gotas meio-prata batendo em seu corpo azulado, mas não na rua amarela, pois só chove entre a parede rubra e o armaredo branco. Perdida assim, a menina não sabe o que quer e parece nem querer saber: fechar os olhos e só sentir e ouvir? Abrir os olhos e ver e ouvir? Gritar alto e só ver e sentir? Ouvir, sentir e ver? Não sabe, não quer saber: certezas roxas, assim, doem muito. Sabe bem. Abre a gaveta tímida e rouba de si mesma um cigarro verde. Ascende com o isqueiro rosa o roubado cigarro verde e inala a fumaça doce. Espiando a rua amarela docemente pensa coisas de várias cores e sente gostos diferentes. Pensa que ausência é tempo comum, que voz, assim, ausente é voz comum em tempo comum, mas avesso. Avesso ao desejo daquele que sente a ausência. Pensa que os nomes das cores carregam pigmentos e que fazem muito sentido serem como são. Pensa que gritar para não ouvir é idéia estúpida demais, pois a voz que está fora a girar entre a parede rubra e o armaredo branco e a escapar para a rua amarela também está dentro, cravada em sua cabecinha azulada. Pensa que a chuva meio-prata já deve estar para parar, pois a nuvem muito-prata já se despede. Pensa que se fechar os olhos e ficar só sentindo e ouvindo o tempo comum vai passar mais rápido... quem sabe ela consiga esquecer...

Mais do mesmo querido

Cafés, ausências e silêncio.
Recorro aos mesmos temas.
Eu, tempo, esquecimentos.
Recaio nos mesmos lugares.
Cafés esquecidos no silêncio.
Eu ausente em meu tempo.
Faço dos mesmos lugares recorrentes
aquele sempre-mesmo tema recolhido.