terça-feira, fevereiro 02, 2010

Uma película de vinte e uma cenas.

Eles chegaram juntos ao cinema. Mãos dadas, dedos que se enconstavam mais levemente do que antes, mas era, ainda sim, um ato de certa beleza por ser o momento em que tocavam o corpo do outro.
Ela vestia um vestido casual estilo anos 50 e usava seus óculos que se tornaram, ao longo do relacionamento, cada vez mais usuais. Sim, no início evitava e parecia mesmo precisar menos deles, mas, pouco a pouco, com a intimidade vem a liberdade, a comodidade e o uso corriqueiro dos óculos.
Ele vestida seu terno com a gravata fininha e tinha os cabelos despenteados. Não havia passado perfume, esquecimento cada vez mais comum… creio que seja também efeito da liberdade, da comodidade.
Chegaram exatamente na hora de iniciar o filme, atitude que já não era pensada nem programada, apenas acontecia. Pareciam nem pensar sobre a situação que viviam agora tão diferente da de outrora. Há alguns anos, os minutos de música antes do filme eram a trilha sonora do casal sempre muito apaixonado que se olhava e disfrutava a doce intimidade de expectativa pelo filme escolhido.
O cinema já estava lotado quando o casal entrou, sorte que os lugares agora são sempre marcados, assim, apesar de ao chegar tarde não se escolher o lugar preferido, ao menos sabe-se para onde ir e poupa-se os minutos de vergonha em que se ficava olhando com cara de bobo para ver onde havia lugares vazios e se havia lugares juntos.
Chegaram no cinema. Entraram na sala e sentaram-se lado a lado como previa os ingressos comprados. Seus lugares eram na primeira fila, sentaram como que para serem absorvidos pela imensa tela que feria os olhos com sua luminosidade tão mais intensa de perto.
Ao sentarem, soltaram as mãos. Sentiam-se estranhamente mais a vontade com as mãos soltas. Sentiam, mas nem percebiam. O escuro da sala causava uma certa tranquilidade no casal. Trailers que ocupam o ar, o espaço e a atenção não-necessária, mas cuidadosamente empregada.
Segundos antes de iniciar o filme, o casal se troca um olhar e um sorriso meio constrangido como de velhos conhecidos que se olham de longe e aplicam no sorriso trocado toda a intimidade que podem fingir. Inicia-se o filme.
O filme era de vinte cenas entre as quais impera minutos de silêncio e cenas repetidas de reflexão e solidão das personagens, que são duas principais que refletem e sentem solidão e algumas secundárias, muitas terciárias e infinitos figurantes. A história é nem interessante, nem entediante… é apenas uma história bastante vulgar, ordinária: duas pessoas, um amor, sorrisos, lágrimas, reflexão, sorrisos, solidão e o fim.
O filme era comum para todos da sala. O filme era patético para todos da sala. Pessoas conversavam ao longo da exibição. Da metade até o final do filme,  houve grupos de pessoas que deixaram o cinema até que, no final, restou apenas duas pessoas na sala que antes fora lotada. Duas pessoas que dedicaram toda sua atenção não-necessária ao filme comum.
Ao fim do filme, o casal continuou sentado até que findasse o letreiro. Poucos nomes nos atores, poucos nomes em toda a produção. Acabou. Levantaram-se ele virou-se para a direita para pegar o copo vazio que descansava no porta-copos e ela virou para esquerda para pegar sua bolsa. Suas mãos não se procuraram, seus dedos não se tocaram e cada um seguiu para o lado que se virou. Acabou. Acabou assim sem nenhuma palavra, sem nem um olhar, sem um último sorriso, nada. Os dois partiram sozinhos com a certeza de que era essa a necessária vigésima primeira cena da película.

3 comentários:

Ortáccio disse...

Formidable! Divertido! Aplausos! Aplausos! Tlac tlac tlac tlacs...!!!

†† Glória †† disse...

bah, ótimo
gostei mesmo..

Renata B. Ortiz disse...

Nossa!
Sem mais comentário que muito-bom, adorei, sem mais comentários que uau!

=)